Mais da metade das
escolas das escolas no Brasil não tem esgoto encanado. Quase um terço
sem rede de água. Um quarto sem coleta de lixo. É esse o retrato traçado
pelo Censo Escolar 2014. Os números revelam que boa parte das
instituições de ensino ainda não conta com o básico. Mas mostram também
que alguns indicadores, como a oferta de internet, têm melhorado ano a
ano.
De 2010 a 2014, o percentual de escolas
com rede de esgoto passou de 42% para 47% apenas. Já o percentual de
escolas com internet foi de 47% para 61% no mesmo período.
Os dados, do Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), foram tabulados
a pedido do site G1 pela Fundação Lemann e pela Meritt, responsáveis
pelo portal QEdu.
Especialistas ouvidos pela reportagem
apontam a falta de recursos, a ausência de planejamento e uma gestão
deficiente como entraves para uma melhora efetiva dos indicadores tanto
das estruturas prediais como dos equipamentos e mobiliários das escolas.
O pesquisador Thiago Alves, da
Universidade Federal do Paraná (UFPR), diz que não é razoável pensar em
uma escola de qualidade sem uma infraestrutura adequada. “A gente olha
os países ditos desenvolvidos em educação e não há nenhuma escola com
boas notas e uma estrutura ruim. O problema é que a qualidade da
educação no Brasil é medida apenas por testes”, afirma.
Segundo ele, a falta de indicadores que
vinculem o rendimento acadêmico à qualidade da infraestrutura escolar é
usada por gestores e secretários para o “desinvestimento” nas reformas
físicas. “Mas quando alguém vai escolher uma escola para o filho, vai
sempre optar pela que tem o espaço físico mais adequado.”
Alves diz que um dos principais
problemas está na má gestão dos recursos. “A parte de infraestrutura
custa 10% do orçamento de educação, mas mesmo assim há dificuldade
financeira para custear e fazer obras. Eu já vi casos de uma escola que
foi construída e o prédio foi entregue com o mictório pregado na parede,
mas sem cano. O aparelho de datashow estava lá também, mas sem fiação.
Isso está muito presente nas secretarias, que têm dificuldade de
planejar, contratar e acompanhar as obras.”
Existem hoje no país 189.818 escolas de ensino básico – 150.033 públicas e 39.785 particulares.
O triste retrato das escolas brasileiras
No caso dos dados de saneamento básico,
Eduardo Deschamps, presidente do Conselho Nacional de Secretários de
Educação (Consed), diz que a falta de estrutura nas escolas reflete a
situação do país, que tem números “assustadores”. “Blumenau (SC), por
exemplo, que tem um IDH elevado, só recentemente começou a implementar
uma rede de esgoto sanitário de maneira adequada. Se um município desse
padrão tinha esse tipo de tratamento, basta imaginar no restante do
Brasil. Isso se estende às escolas”, afirma ele, que é secretário da
Educação de Santa Catarina.
A vice-presidente União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Manuelina Martins, diz que
saneamento básico é um investimento alto. “E como o município não tem
recurso suficiente, acaba priorizando outras questões, como ampliar uma
escola, por exemplo. Infelizmente, 70% dos municípios brasileiros
sobrevivem do FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Além disso,
ficam dependentes de programas do governo federal”, diz.
Deschamps diz que foi proposta ao
ministro Renato Janine Ribeiro uma discussão acerca do financiamento da
educação e de como deve ser feita a redistribuição de recursos. “Os
municípios têm o desafio da educação infantil e de gerir escolas que têm
um número de alunos muito pequeno e que são isoladas, ou seja, precisam
fazer um investimento significativo para dar as condições adequadas. Já
os estados possuem o desafio do ensino médio.”
Para a arquiteta Emilze de Carvalho,
autora do projeto Padrão Nacional de Escolas de Tempo Integral, apesar
da falta de verbas ser um fator preponderante, ele não pode ser uma
desculpa. “Penso que é fundamental e necessário, sim, ter mais recursos
para a educação, mas é preciso se apropriar de ferramentas de gestão,
planejamento e transparência necessária às instituições. Uma boa gestão
consegue o envolvimento de profissionais de arquitetura, engenharia,
empresários, representantes da comunidade local e administradores
públicos, com desempenho justo de suas funções, e promove a realização
de uma infraestrutura efetivamente adequada.”
O Ministério da Educação diz que nos
últimos 20 anos a ampliação dos serviços de saneamento básico no Brasil e
o acesso da população à internet se beneficiaram de “profundos
avanços”. “Ainda existem muitos desafios, principalmente relacionados
com as desigualdades regionais quanto à disponibilidade de
infraestrutura adequada. Assim, temos uma potencial demanda a ser
cumprida, tanto no acesso de escolas à internet, como na instalação de
rede de esgotos, sobretudo nos endereços de escolas públicas localizadas
em territórios de vulnerabilidade social.”
Avanços pequenos, mas graduais
Os dados do Inep mostram que o progresso
tem sido lento na maioria dos itens estruturais. O percentual de
escolas com bibliotecas, por exemplo, só passou de 33% para 36% de 2010
para 2014. Já em outros, houve um avanço mais significativo: 45% das
escolas já contam com laboratórios de informática, ante 35% em 2010.
Na visão do professor Joaquim Soares
Neto, da Universidade de Brasília (UnB), leis como o Plano Nacional de
Educação (PNE) têm ajudado a fazer com que os números educacionais do
Brasil avancem aos poucos. “Há uma política de melhoria das estruturas
das escolas, claramente dá para ver isso. Mas como a gente está falando
de um sistema de quase 200 mil escolas, existem locais em que isso está
melhorando de forma mais sistemática e em outros, não”, diz Neto, que
foi presidente do Inep entre 2009 e 2011.
Ernesto Martins Faria, coordenador de
projetos da Fundação Lemann, tem o mesmo entendimento. “Os percentuais
de escolas não ilustram de forma completa quais são as principais
necessidades. Temos escolas de diferentes tamanhos, sendo que as escolas
que enfrentam as maiores dificuldades, em grande parte, atendem poucos
alunos. Isso faz com que quando ponderemos esses dados pelo número de
matrículas o cenário se mostre mais positivo.”
Há determinados espaços nas escolas,
porém, que não têm recebido atenção dos gestores ao longo dos anos. A
quadra de esportes é um exemplo. Só 32% das unidades contam com o espaço
– número não muito diferente do de 2010 (28%).
“Considero as quadras um espaço
fundamental. Ela passa por uma questão de concepção do papel do desporto
escolar na educação. O que se aprende em uma quadra esportiva tem uma
importância para a sociedade igual ao que se aprende em uma aula de
matemática, português ou ciências. Nos Estados Unidos e no Japão, o
desporto escolar é valorizado. Nos EUA, a criança começa desde a escola
até se profissionalizar, participando de competições. Só 1% vira, de
fato, atleta, mas o objetivo é propiciar outros aprendizados com a
prática”, afirma Thiago Alves, da UFPR.
Ele ressalta a falta de planejamento
como um dos entraves para a melhora tanto na oferta como na qualidade
dos equipamentos escolares. “Não há correta previsão de curto, médio e
longo prazo na questão de oferta de ensino nas redes. Quantas matrículas
serão ofertadas daqui a cinco anos, dez anos? Sem essa projeção, não é
possível prever quantas escolas são necessárias ou quantas precisam ser
adequadas.”
Além das quadras, só 11% das escolas possuem um laboratório de ciências e 21%, uma sala de leitura.
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